- Está me dizendo que isso, essa pirâmide em 3D dentro de um círculo, tem algum fundamento?
- Foi a imagem idêntica à que ele me enviou por cinco segundos. Isso poderia justificar ele ter parado de um dia para o outro suas atividades como Y0uTopic. – Allan finalizou seu cigarro.
- Parece mais coisa de seita satânica! - Aina nada simpatizou com o resultado. - Mas o governo não poderia tê-lo pego? Isso justificaria seu sumiço.
- Poderia ser o caso. Lembre-se também que não fui contratado para alcançá-lo... essa função deve ter sido encaminhada para outra pessoa. Talvez eles o tivessem sentenciado secretamente, matado ou qualquer coisa que não fosse veiculado na mídia... desta maneira se justificaria eu não ter sido chamado para encontrá-lo, pois invariavelmente ele seria levado à justiça, de uma maneira bem pública, já que essa é uma condição para minha contratação. Mas a maneira como Modeerf trabalha me faz pensar o contrário: ninguém seria tão bom quanto ele, muito menos com a mesma perspectiva, o mesmo ideal, esse mesmo objetivo que ainda não consegui definir. Suas atividades cessaram quando virou o ano, exatamente do dia 31 de Dezembro para dia primeiro de Janeiro... não pode ser coisa do acaso. E, como já disse, ele me fez sentir como se seu objetivo estivesse longe de ser alcançado...
- Já está ficando é assombroso para mim...
- Para mim também... fiquei com a impressão de que ele queria me dizer algo, me fazer pensar como ele ou me recrutar para sua causa, não sei ao certo. – Allan não desfez sua feição de incômodo.
- Por quê?
- A primeira estrofe da poesia falava sobre isso, que não me fugiu à vista essa imagem... mas a segunda estrofe diz que ela fugiu ao meu controle... eu tenho um palpite sobre esta segunda parte.
- Não sei mais o que pensar... – Aina psicologicamente levantava uma bandeira branca.
- Pense então sobre o número de cidades que foram investigadas... um maçom uma vez escreveu que onze é o número da desordem. Desordem não é aquilo que "foge ao seu controle"? Não acha que é muita coincidência para nosso hacker tão perfeccionista? Em falar nisso, caímos de novo na questão de Ituverava. Ela não se encaixa nesse ambiente, está totalmente separada. Tem que haver alguma razão para esta cidade ter sido invadida. Ou para testar o sistema, ou para iniciar seu trabalho ou até mesmo para me deixar encontrá-lo. Será que meu contratante sabe disso? Essas pessoas talvez saibam que eu as procurarei. Talvez elas não sejam alvos, mas sim apoio para a investigação!
- Pode ser, faz sentido. Se for realmente isso, talvez o contratante esteja interessado na informação que o hacker tem... ou talvez ele quer que você as veja.
- Sim, pode até ser, mas ficarei de olho por garantia das dúvidas. Não se garante nada com suposições...
- Que bom que você é ponderado nesse sentido! - Aina sorriu novamente com a prudência de seu chefe. Allan ficou feliz, pois não a queria apertando suas mãos contra a caneca de café novamente.
- De qualquer maneira, esta seria apenas uma base para a investigação, pois muito provavelmente só encontraremos algumas pistas para encontrarmos o nosso hacker... dificilmente ele estaria no mesmo lugar até os dias de hoje.
- Allan, eu poderia olhar este mapa por um momento?
- Claro! – Allan já entregava o mapa em mãos. – Aproveito para fazer um último cálculo por aqui...
A secretária olhou a edição do mapa por uma curiosidade que lhe moveu por um momento: considerando que as matérias eram do ano de 2002, queria saber qual seria a data do mapa. Após confirmar que era deste mesmo ano, percebeu que o mapa tinha algum sentido e não era apenas alguma desculpa para seu chefe comprar cigarros. Seria muito complexo encontrar uma informação daquela época na internet a partir de sites de busca. Numa banca de jornal maluca como a que eles conheciam no centro da cidade, era mais possível de encontrar um mapa antigo. Ele precisava dos dados das proporções das cidades e outros recursos, algo que seria demasiado demorado para quem tem muito trabalho a fazer.
Embora satisfeita com o desempenho do chefe que inicialmente não sabia por onde começar, Aina não sossegou e veio com mais uma pergunta:
- Allan, no final das contas, para quê então os triângulos no mapa-múndi?
- Bom... – Allan já tinha terminado seu cálculo, olhou para cima e respirou fundo. - Essa é a terceira e última questão que me faz pensar nesta cidade... o mapa só bate com ela. Só fiz os cálculos por desencargo de consciência, pois o eqüilátero me mostra isso.
- Eqüilátero? Que eqüilátero? – Aina estranhou novamente o raciocínio de seu chefe. Um momento após, lembrou da pirâmide e questionou:
– O de Araçatuba, Presidente Prudente e Marília?
– Não, o resultante de São Paulo, Cidade do México e Belo Horizonte.
– Oi, oi... isso é um isósceles, isósceles! – A secretária encarnou uma irritada professora de geometria com um aluno teimoso.
– Calma... eu disse resultante, resultante! – O aluno teimoso se defendia – Se lembra do ponto definido quando calculamos seu baricentro? – A pergunta levou a secretária ao mapa novamente:
– Ham... no meio do nada? – Disse Aina, após calcular com uma régua e chegar a um ponto da Amazônia sem cidades consideravelmente próximas.
– Fazendo um novo e menor triângulo com São Paulo, Belo Horizonte e o baricentro que definimos, fiz um novo baricentro, repetindo o processo novamente. Veja o local que resulta do terceiro baricentro.
– Ok, ok... – Aina finalmente chegou a um ponto no mapa que, com São Paulo e Belo Horizonte, formava um triângulo eqüilátero perfeito:
– Você está de brincadeira comigo, não é?
– Veja que a linha ‘Sampa–México’ divide quase que perfeitamente o círculo que fizemos, embora eu não ache que isso realmente tenha alguma lógica...
A indignação da secretária não era o desenho, mas sim a localização do ponto: uma área rural poucos quilômetros de distância em relação à Ituverava. Allan se voltou para o computador, buscando a área em fotos por satélite.
As coordenadas GPS da posição foram pesquisadas, chegando a um local arborizado, o que conseqüentemente impedia a visualização de seu interior. Havia logo ao lado uma fazenda cuja terra ao redor estava totalmente arada, enquanto pelo outro lado a Rodovia Anhangüera ligava o ponto encontrado diretamente à Ituverava. Logo após, Allan instigou sua secretária:
– Vou perguntar novamente: não acha que é muita coincidência para nosso hacker tão perfeccionista? Talvez eu devesse considerar nosso cliente também um milimétrico.
– Ainda acho que não faz sentido se basear nesse triângulo, Allan. Ele não foi feito por acaso, é só referência para as pessoas da lista.
– Sim, – Allan continuou – mas e se as pessoas da lista, de alguma forma, estivessem conectadas? E se estas cidades fossem pontos estratégicos como as localidades que Y0uTopic invadiu?
– Suas questões fazem sentido, Allan... mas, ainda assim, são apenas suposições do estilo ‘what if’...
– Concordo. – Allan sorriu do mesmo modo que antes, pensando no desafio. – É por isso que irei para São Paulo primeiramente.