Se não fossem os bons anos de convívio com seu chefe, Aina teria rido dele ou se arrependeria na hora de ter escolhido trabalhar com alguém que facilmente poderia ser adjetivado como louco. Porém, como quem compreende alguém por completo, sabia que seu raciocínio continha uma lógica coerente. Porém, não conseguia entender como pessoas tão antagônicas poderiam ter relação entre si. Tornou a ler o e-mail, agora com mais calma:
“Caro Sr. Eoin:
Não se preocupe com a mensagem, pois o nível mínimo de segurança deste e-mail facilmente supera o de seus comuns clientes – informando também que utilizei o mais severo nível de proteção existente. Serei o mais breve possível. O senhor acaba de receber uma quantia de duzentos mil dólares, valor idêntico a ser depositado ao término do contrato. Uma parte deste valor, temo lhe informar, será necessária à sua investigação. Peço que não faça uso pessoal, portanto, do valor mínimo de cem mil dólares.
Tenho o interesse de investigar determinado setor do governo, responsável pela área de cadastro da população. Peço sua exímia ajuda para desvendar informações sobre qualquer ato ilícito que se faça em tal ramificação.
Para tal, peço que se dirija à sede em São Paulo – principal local a ser investigado. Logo depois, gostaria que entrasse em contato com as seguintes pessoas da lista abaixo. Certamente não será problema ao famoso detetive localizá-las a partir do nome, idade, uma pequena descrição e seu bairro mais atual. Segue a lista:
Aika Lang – 14 Anos – Autista – Bairro Liberdade – São Paulo;
Crawler Reagal – 30 Anos – Mendigo – Praça da Liberdade – Belo Horizonte;
Levi “Libertad” Dårskap – 26 Anos – Clinicamente louco – Cidade do México;
Zoeken Seele – 25 Anos – Viciado internado – Le Liberté – Lión;
Modeerf_Reaktiva – Hacker – Idade e localização não foram definidas.
Minhas sinceras desculpas sobre a falta de informação a respeito do hacker. Ele realmente não pôde ser localizado.
Eu agradeço a atenção dada ao caso. Entrarei em contato novamente em dois meses, contando a partir do horário do e-mail.”
Ainda assim, Aina não conseguia ver algo em comum entre eles. Não sem antes conhecê-los para então traçar um perfil em comum. Aina há muito convivia com seu chefe de maneira singular, aprendendo todo o procedimento técnico de um bom detetive para então colaborar com o trabalho de seu chefe. E sabia, como Allan, que a acareação dos fatos é procedimento padrão para compreender a situação. Por isso não entendia a lógica do chefe. Parecia ser só um simples palpite.
A secretária sabia que não seria o óbvio detalhe da palavra ‘liberdade’ se repetir em todos os nomes, pois seria coincidência demais. Mas não conseguia encaixar os fatos para relacioná-los ao interesse de seu chefe em querer vê-los antes de procurar o órgão a ser investigado. E nem o fato de como elas eram fundamentalmente importantes para a investigação. De repente juntou esses dois detalhes e constatou:
- Pelo que eu entendi, elas têm relação direta com o setor de cadastro, certo?
- Exato... – Allan parecia satisfeito com a garota, mas continuou o raciocínio, complicando-o – e errado!
Aina fechou a cara e sentiu realmente irritada, como se seu chefe a estivesse fazendo de tola. Mas antes que pudesse fazer alguma reclamação, Allan tomou a iniciativa de se explicar:
- O que acontece aqui é que você acertou. – O comentário de Allan nada mudou a expressão da secretária, que já esperava mais explicações. O detetive continuou:
- Dê atenção aos adjetivos não necessariamente reais que colocarei, já que ainda não levantei dados sobre nenhum deles. O que uma altista exilada, um hacker procurado, um louco provavelmente internado, um mendigo abandonado e um drogado em recuperação podem ter em comum?
- Algo como o fato de serem pessoas excluídas da sociedade geral? – Após pensar durante alguns segundos, Aina perguntava com tom de afirmação.
- Exato... são pessoas que ou se excluíram ou foram excluídas da sociedade. Por isso, elas têm relação direta com o governo... pelo detalhe de não serem influenciadas por ele diretamente. São pessoas que não pagam contas, não trabalham diretamente para um órgão ou coisa do tipo. Até mesmo parecem não existir, se me permite dizer desta maneira. Alguns por não quererem, outros por serem ignorados. Enfim, a relação não é direta, mas indireta... é avessa!
A secretária agora conseguia ver a luz. Mas, junto à luz, novas dúvidas se faziam:
- Tudo bem... mas o fato de serem importantes pela sua independência frente ao governo não dá espaço à interpretações para além disso. É o máximo que conseguimos constatar.
- Em partes. Elas não são influenciadas pelo governo, ponto. O que eu quero saber agora é o que elas têm a ver com o setor de cadastro em específico. A relação indireta que elas têm com esse setor, como você mesma notou que haveria uma relação, é o fato de não se envolverem com o mesmo. Mas isso não significa que elas não tenham informações sobre isso.
Aina notou como seu chefe, apenas a partir do e-mail, percebeu as relações das pessoas citadas com o governo e entre si mesmas. De vez em quando se impressionava com a sagacidade de seu chefe, embora muitas vezes achasse que era só um acesso de loucura.
- Certo... – A secretária, por costume, não queria elogiar o chefe. – E quem procurará agora?
- Esse é o problema. – O detetive já estava saindo.
- Como assim problema?
- É... – Allan olhava para cima desanimado, de costas para Aina e já na porta. - Não tenho a mínima idéia de por quem começar...